A obsessão do Corinthians pela conquista de sua primeira Libertadores levou o clube a investir em dezenas de boleiros caros e badalados. O Timão imaginou que poderia levantar a taça mais cobiçada das Américas com jogadores como Marcelinho, Luizão, Edílson, Tévez, Mascherano, Ronaldo Fenômeno e Adriano.
Mas alguém pensou que um baixinho, então com 32 anos, que chegou com certa desconfiança, no ano passado, para ser reserva e com o apelido de Sheik, pelos seus feitos no “poderoso” futebol do Oriente Médio, seria esse cara? Pois é, o iluminado Emerson Sheik foi o protagonista de um dos capítulos mais importantes da história corinthiana. Com os dois gols na partida decisiva contra o multicampeão Boca Juniors, no agora sacro 04 de julho de 2012, ele tem direito de pedir até uma estátua no Parque São Jorge.
Mas engana-se quem acha que este baixinho invocado, nascido em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, veio do nada. Após começar carreira no rival São Paulo de forma discreta, em 1998, Emerson foi brilhar no Japão, onde defendeu, de 2000 a 2005, três clubes, Consadole Sapporo, Kawasaki Frontale e Japão Urawa Red Diamonds, sendo que neste último ele marcou impressionantes 71 gols em 100 partidas. Mas nem isso foi capaz de torná-lo famoso no Brasil.
Mas os verdadeiros sheiks árabes perceberam sua qualidade e investiram seus petrodólares para levá-lo ao Al-Sadd, do Qatar, onde também fez bonito: 24 tentos em 32 jogos. Em 2007, ele foi emprestado ao Rennes, da França, mas foi pouco aproveitado – em três participações, não balançou as redes uma vez sequer – e logo retornou ao Oriente Médio, onde ficou até 2009.
Com muito dinheiro no bolso, Emerson permitiu-se a realizar um sonho que alimentava desde os tempos em que disputava peladas nos campos de terra batida no Grande Rio: vestir a camisa do Flamengo. Tanto que o próprio pagou a multa rescisória ao Al-Saad. Com toda essa demonstração de interesse em vestir o manto rubro-negra, a diretoria do clube carioca o acolheu sem problemas. Mas a torcida torceu o nariz, inicialmente.
Feliz na Gávea e logo apelidado de Sheik – sim, o batismo foi feito pelos flamenguistas –, por ter vindo do Oriente Médio “pagar” para jogar no time, Emerson, aos poucos, foi empolgando a torcida com gols, arrancadas e muita entrega em campo. Méritos que garantiram uma vaga na equipe titular, que sagrou-se campeão Carioca naquele ano. No Brasileirão, o atacante manteve o bom rendimento, mas um caminhão de dinheiro o faria voltar às “Arábias” mais uma vez.
Em agosto, ele acerta com o Al Ain, dos Emirados Árabes, saindo do clube antes de comemorar o sexto título brasileiro. Mas o próprio Flamengo o considera campeão, já que marcou sete gols na competição. Numa fase iluminada, já anotou dois gols na estreia com a nova camisa. Ao todo, foram nove tentos em 14 jogos e o título da Supercopa dos Emirados Árabes.
Chega 2010 e a saudade do Brasil bate forte outra vez. Logo, ele se oferece novamente ao Flamengo. Mas não seria como da vez anterior. Agora, Emerson queria um contrato em que fosse valorizado. Com o descaso rubro-negro, surge o Fluminense e o poder de investimento de seu patrocinador. E, para surpresa geral, o jogador-torcedor foi parar no rival Tricolor. E, pra variar, gols e ótimas atuações ao lado de Fred.
O Flu ia de vento em popa, mas as contusões voltaram a atormentar o jogador. Sheik ficou de fora de muitos jogos do time. Mas, com muito esforço e sacrifício, ele voltou na reta final do campeonato, quando a equipe das Laranjeiras disputava, ponto a ponto, o título com Corinthians e Cruzeiro.
Na última rodada, bastava ao Fluminense vencer o Guarani, já rebaixado, em casa, para sagrar-se campeão. O placar não saia do zero. O empate dava a taça aos mineiros. O desespero já batia nas arquibancadas do Engenhão até que numa bola cruzada da esquerda, no meio dos zagueiros, Emerson estica a perna e bota a bola nas redes. Era o gol do tão sonhado caneco que não vinha desde 1984. A fama de pé quente, já alcançada no ano anterior com o Flamengo, se perpetuava.
Em 2011, o Flu queria a inédita conquista da Libertadores. Mas a campanha foi traumática. Primeiro, o inesperado pedido de demissão de Muricy, que culpou a falta de estrutura do clube. Depois, a rescisão de contrato de... Emerson Sheik. Um boato de que ele havia cantado um funk em homenagem ao Flamengo, no ônibus em direção a uma partida decisiva, ganhou força na imprensa. A torcida tricolor ficou irada. Além disso, histórias de desentendimentos com Fred e de corpo mole de sua parte causaram sua demissão. Até hoje, ele se diz injustiçado.
No dia 18 de maio daquele ano, após quase acertar com o Vasco, é anunciado como novo reforço do Corinthians. Mas ele chegou sem causar alarde. Seus bons momentos no exterior e no futebol carioca não empolgaram a Fiel, ainda amargurada com o fiasco da eliminação na pré-Libertadores. Em princípio, ele vinha para fazer sombra aos atacantes titulares.
Mas Sheik tinha a cara do Timão. Com seu estilo de jogo de arrancadas e muita entrega, logo caiu nas graças da galera. E seu jeitão meio “maloqueiro” foi um ingrediente favorável para fortalecer essa identificação. Com boas atuações, mesmo sem ser brilhante, ajudou bastante na conquista do quinto Brasileiro do Corinthians. E o título era o passaporte para mais uma tentativa de garantir a tão sonhada Libertadores.
Diferente de outras ocasiões, o clube não contratou nenhum craque de fechar aeroporto. Pelo contrário, pois dispensou o custoso e rotundo Adriano Imperador. Com Tite implantando um esquema de cooperatividade, o Timão era uma equipe compacta em que todos os setores estavam muito bem sintonizados. Foram 11 guerreiros do jeito que a torcida gosta. E o Sheik jogava para as arquibancadas. Bem fisicamente, dava arrancadas e balançava a camisa pedindo para a galera apoiar. E com má fase de Liédson, ele passou a ser o cara do ataque.
E o Timão foi avançando. Depois da ótima campanha na primeira fase, a equipe de Tite passou pelo Emelec, nas oitavas, e eliminou o Vasco, nas quartas-de-final, no sufoco, com um gol de Paulinho, aos 43 do segundo tempo, na segunda partida. Mas a partir da semifinal, contra o arquirrival Santos, de Neymar e Ganso, o título da Libertadores foi ganhando cara... de Sheik.
O Camisa 11 marcou o gol da vitória contra o Peixe, em plena Vila Belmiro, na primeira partida. Mas, como foi expulso, não participou do jogo de volta. Ainda bem que Danilo estava inspirado para selar o empate que garantiu vaga na decisão contra o poderoso Boca Juniors, da Argentina. Por ter melhor campanha na competição, o Corinthians ganhou o direito de disputar a primeira fora.
E a final teve como palco inicial o mítico estádio de La Bombonera. Completamente lotado, o caldeirão não intimidou os corinthianos, que não deixavam os argentinos dominarem as ações. Mas, na metade do segundo tempo, o Boca fez 1 a 0 para delírio de sua massa. O peso e a pressão pela conquista poderiam atrapalhar o Timão. O jogo já se encaminhava para o fim. Eis que numa bela jogada, Emerson deixou o jovem Romarinho, que acabara de entrar, na cara do gol para igualar o duelo. O resultado inflamou o grupo e a torcida.
A história da partida de quarta à noite todo mundo já sabe e jamais será esquecida. No dia 04 de julho, o Corinthians deu seu grito de independência das gozações dos rivais por nunca ter levantado o troféu mais importante do continente. E, com absoluta certeza, Emerson Sheik será lembrado como o mártir da Fiel. O iluminado, o pé quente! O homem que tornou um sonho, tão perseguido, realidade.