Embora eternize um momento fugaz, o ato de fotografar-se revela muito mais do que expressões faciais ou fragmentos de nossas vidas, sejam eles verdadeiros ou ensaiados. Banalizado com a popularização dos smartphones, o autorretrato – que virou selfie por influência anglófona – diz muito sobre nosso comportamento interior.
O que vem sendo revelado pelos cliques publicados a todo instante nas redes sociais é bastante perturbador, como o caso do golfinho retirado do mar na Argentina e perseguido por uma multidão de banhistas que queriam uma foto com o mamífero. Embora após a repercussão negativa do caso tenha sido dito que o animal já estava morto, a questão de que ninguém parecia preocupado com o estado do delfim permanece tão clara como as fotos daquele dia.
Não foi um caso isolado: pouco tempo depois, um homem que retirou um tubarão da água na Flórida para posar com o animal também virou notícia. Em outra foto veiculada nas redes sociais, uma mulher aparecia montada em um golfinho em uma praia no Peru.
"Nós criamos um estratégia em que somos dominantes sobre estas outras espécies e a partir daí fazemos deles meros objetos", explica o psicanalista e cientista político Sérgio Luiz Braghini, da FESP-SP, sobre a falta de cuidado com a vida selvagem.
O absurdo, porém, não termina nos maus tratos de animais. Na Rússia, em 2015, internautas fizeram um concurso de autorretratos com cadáveres. É mórbido, mas a busca por uma selfie inusitada pode levar a algo ainda pior. Foi assim com uma americana que bateu o carro e morreu após postar uma foto de si mesma no Facebook, ou da indiana que foi morta por um elefante selvagem depois de se aproximar demais do animal em uma floresta.
Imagem pessoal à venda
Foram citados casos extremos, mas é igualmente incômoda a necessidade de postar fotos a todo o momento de si mesmo, seja em um restaurante, em casa, ao acabar de acordar, ao se reunir com os amigos. Perde-se o momento em troca de um clique.
"Chama-se narcisismo, que virou uma mercadoria. Era feio ser egoísta, mas em tempos atuais é quase uma regra", afirma Braghini. "É como se a pessoas pudessem vender sua imagem, mesmo que elas não recebam algo diretamente por isso."
"Este arriscar-se, por sua vez, tem a ver com a possibilidade ou exigência de que alguém só vale a pena ser visto se foge da normalidade", acrescenta o especialista. "É uma forma de dizer publicamente: eu faço o que você só deseja."
Selfie pode revelar transtornos e carências
Para a PhD em saúde mental Anna Lúcia King, diretora do Instituto Delete, ligado à UFRJ, as selfies podem demonstrar problemas bem mais profundos do que um ato repreensível.
"As pessoas fazem coisas que revelam um transtorno já existente nelas, como maltratar um bicho", explica. "As tecnologias estão revelando o comportamento de cada indivíduo de acordo com suas próprias carências. Se eu tenho uma baixa autoestima, me sinto feia, infeliz, quero postar nas redes sociais uma foto com