A administradora de empresas Márcia Pam, uma das mães de Melissa e Gustavo, assim define sua situação em um passado recente: antes eram duas gravidezes - a biológica e a burocrática. Registrar com o nome dos verdadeiros pais uma criança gerada por reprodução assistida costumava levar outros nove meses. Com a publicação, há um mês, de provimento da Corregedoria Nacional de Justiça, entretanto, o trâmite foi simplificado. E começam a surgir os primeiros beneficiados.
Márcia, de 40 anos, e a designer Carolina Costa Azevedo, de 35, vivenciaram as duas situações. Há quatro anos, quando tiveram a primeira filha, Melissa Yumi, enfrentaram um longo processo jurídico para conseguir registrá-la corretamente - a menina é fruto de fertilização in vitro de óvulo de Carolina e foi gerada por Márcia.
Com a nova gravidez - resultado de fertilização do óvulo de Márcia e gestação de Carolina -, já esperavam uma nova saga. "Mas fomos informadas, no cartório, que agora seria mais simples", conta Márcia. Gustavo Seiji nasceu no Hospital e Maternidade Santa Joana no dia 3 e foi registrado como filho das duas mães automaticamente na segunda passada. "Tudo muito simples", diz a administradora. O registro só não foi imediato porque elas não haviam providenciado antes a declaração do diretor da clínica de reprodução assistida à qual recorreram - o documento é exigido pelo provimento da Corregedoria.
De acordo com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen), o registro de Gustavo Seiji foi o primeiro caso na cidade sob o novo modelo. Com a experiência das agruras do sistema antigo e o alívio pela facilidade atual, Márcia e Carolina não se importam em dar publicidade à história - muito pelo contrário. "É importante que as pessoas saibam que ficou mais fácil garantir esse direito à cidadania", diz Márcia. "Um processo judicial, como o que ocorria anteriormente, era desgastante e ainda expunha de modo desnecessário uma criança recém-nascida".
Avanços
O provimento da Corregedoria é considerado uma conquista para as famílias que, antes, dependiam do despacho de um juiz para poder registrar seus bebês - em processos longos em que a criança ficava sem identidade e sem acesso a benefícios como plano de saúde dos pais. A mudança não beneficia apenas casais homoafetivos, mas todos aqueles que lançam mão de técnicas de reprodução assistida.
É o caso de uma angolana que conversou com a reportagem sob a condição de anonimato. Segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB), ela e o marido, um operador de computadores também angolano, são os primeiros beneficiados de uma escritura assinada sob os termos do novo provimento - o documento foi lavrado no dia 14. "Em minha cultura, é vergonhoso para uma mulher não conseguir engravidar", afirma ela, que tem um grave problema no útero e veio para o Brasil em busca de uma solução.
Foram vários tratamentos frustrados desde 2010, com passagens por clínicas da capital e algumas idas e vindas para Angola. No ano passado, ela e o marido se convenceram: o caminho seria recorrer a uma maternidade de substituição, nome jurídico do procedimento conhecido como "barriga de aluguel". No caso, combinando material genético do marido e óvulo doado por pessoa anônima.<