Ainda dá tempo de você ser um Hugh Hefner na vida – afinal ele, que acaba de, em sintonia com seu estilo, ir não para o céu povoado de anjos tocando flauta, e sim para as atrações mais sedutoras do inferno, viveu por muito tempo: 91 anos. Então veja aí quanto tempo você acha que tem para se transformar nele.
Mas vai dar um certo trabalho. Primeiro você vai ter que fazer uma revista como a que ele fez – a Playboy. E mais: vai ter que pôr como capa na primeira edição a foto de uma atriz do tamanho, e volume, e curvas, e tudo mais, de Marilyn Monroe. Nua. Não adianta reclamar da primeira tarefa. Foi, você sabe, o que Hefner – Hef para os íntimos, ou melhor, íntimas – fez.
Depois de ter a Playboy, e a versão mais próxima da Marilyn Monroe na capa da primeira edição, seguida, anos a fio, de mulheres quase tão deslumbrantes em suas páginas, você, aí sim, vai começar a desfrutar do lado bom da vida – se é que já não desfrutou com a versão Marilyn que pôs na revista.
Desfrutar da vida após isso também vai dar trabalho. Não é mesmo fácil comprar – falar para o corretor o que quer, esperar ele achar, pagar a porcentagem dele, e tudo mais – uma mansão com 29 quartos, piscina aquecida, campo de tênis, cinema, sala de jogos, gruta e outros mimos, como uma licença das autoridades do setor para montar um jardim zoológico. Isso mesmo: um jardim zoológico. É exatamente numa mansão dessas – em Los Angeles – que o playboy nº 1 do mundo morava. Conhecida como Mansão Playboy, ela foi o refúgio, delicioso refúgio, de Hefner desde que a comprou, na década de 1970, uns 20 anos depois de publicar a primeira Playboy, para viver, nela, suas maiores estripulias – como morar, esse não é o verbo certo mas vá lá, junto com cinco, e dizem que até mais, numa conta sem fim, mulheres. Tantas mulheres ao mesmo tempo também dão trabalho. E muito.
Falando da Mansão Playboy, você, para ser de fato Hugh Hefner, vai ter que ter o trabalho de, ao vendê-la, e ele a vendeu há um ano por, coisa pouca, 100 milhões de dólares, convencer, com cláusula em contrato, o comprador a deixá-lo morar lá até morrer. Foi o que, aumentando sua lista de Hércules, Hefner fez. Não é simples elaborar um contrato assim. E ainda que no último segundo antes de partir Hefner tenha sentido nos olhos o reflexo das transbordantes festas que fez em sua, digamos, casa, sabemos, e a batalha para ter a cláusula de moradia vitalícia na Mansão Playboy mostra, entre outras árduas tarefas, isso, o que foi sua vida: árdua, muito árdua.
Ah, sim, e vai dizer que não é complicado comprar um avião? Hefner comprou – o também palco de luxúrias Big Bunny. Verdade, é isso mesmo, algo como Grande Coelhinha, em referência, obviamente, a esse termo, coelhinha, que ele criou para falar de cada mulher que posava para Playboy. E não foi, nem poderia ser, um avião qualquer – é um DC-9 alongado pintado, pode acreditar, de preto. Um avião de Hugh Hefner não poderia deixar de ter aeromoças – ou, como se diz agora, assistentes de voo. E tinha. Hefner as chamava de Jet Bunnies. Também não é fácil ficar inventando apelidos.
Hugh Hefner trabalhou mesmo demais na vida. Foi uma luta colecionar 700 pijamas – todos de seda. E encontrar celebridades então? De Fidel Castro a Jimmy Carter, ele falou com todo mundo, ou quase, que tinha, e em muitos casos ainda tem, importância. E que cansativo era ficar, como ele ficava, doze horas seguidas na cama, e não dormindo – mas depois de acordar. Pensa que acabou? Não, não acabou. O trabalho vai até o fim da vida – e, no caso, até depois da vida. É que Hefner acabou se dando a incumbência de comprar, para seu enterro, o terreno vazio ao lado do túmulo de – ela própria – Marilyn Monroe no cemitério Westwood Village Memorial Park, na mesma Los Angeles da mansão em que aproveitou o que deu da sua tão espinhosa vida. Agora então ele vai ter que ficar inventando o que conversar para entreter a Marilyn. Trabalhão. E para sempre.
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(*) Werther Padovani é jornalista e escritor. Foi editor-chefe da Veja São Paulo, redator-chefe da Playboy, diretor de redação da Penthouse, editor-executivo da Homem Vogue e diretor de redação da UM-Universo Masculino.