“Os objetos e o aspecto dos meus colegas de laboratório pareciam sofrer mudanças ópticas. Não conseguindo me concentrar em meu trabalho, num estado de sonambulismo, fui para casa, onde uma vontade irresistível de me deitar apoderou-se de mim. Fechei as cortinas do quarto e imediatamente caí em um estado mental peculiar, semelhante à embriaguez, mas caracterizado por imaginação exagerada. Com os olhos fechados, figuras fantásticas de extraordinária plasticidade e coloração surgiram diante de meus olhos”.
Assim o cientista suíço Albert Hofmann descobria o Lysergsäurediethylamid (dietilamida do ácido lisérgico, em alemão), mais conhecido como LSD. Hofmann descreveu as sensações acima depois que sua pele absorveu, por acidente, uma quantidade pequena de um fungo, em abril de 1942. Curioso, realizou mais testes com a substância e ficou maravilhado com os efeitos.
O pai do LSD morreu aos 102 anos, em 2008. Vivo, Hofmann sempre demonstrou insatisfação e até tristeza pelos rumos do uso do ácido. No livro LSD - My Problem Child (LSD - Meu Filho Problemático), o suíço fala sobre as primeiras experiências com a substância, questiona sobre aspectos sociais e culturais, a proibição completa (hoje, até estudos científicos não são permitidos na maior parte do mundo) e também se lembra de trips inesquecíveis que teve com o LSD.
Nas décadas seguintes à descoberta, o LSD foi difundido entre cientistas e jovens universitários, principalmente nos Estados Unidos. Timothy Leary, professor na faculdade de Psicologia da Universidade da Califórnia, foi o guru do LSD e chegou a ser preso por fazer pesquisas junto com os alunos.
Nos anos 1960 e 1970, artistas de rock, como os Beatles, o Pink Floyd, o Led Zeppelin, entre outros, além de escritores, como Aldous Huxley e Carlos Castañeda, relataram experiências com o doce. Em 1967, foi oficialmente proibido nos Estados Unidos, tanto para uso recreacional quanto para pesquisa. Hoje, o ácido é ilegal em quase todo o mundo, mas, a exemplo da maioria das drogas ilegais, continua sendo produzido e vendido.
Muitos cientistas e pesquisadores questionam a proibição da droga, assim como os obstáculos para a realização de estudos com a substância, fato lamentado pelo próprio pai do LSD. De tempos e tempos, saem reportagens na mídia sobre possíveis benefícios do ácido em tratamentos psiquiátricos.
Recentemente, pesquisadores da Universidade Norueguesa de Ciência fizeram uma análise de estudos realizados com o LSD entre os anos de 1966 e 1970. No teste, pacientes com alcoolismo receberam doses únicas de ácido (entre 210 e 800 microgramas). Quase 60% reduziu o consumo de álcool nas semanas seguintes.
Segundo os autores do estudo publicado no Journal of Psychopharmacology, Teri Krebs e Pal-Orjan Johansen, o LSD tem efeito positivo no tratamento ao alcoolismo. "De acordo com as provas sobre o efeito benéfico do LSD contra o alcoolismo, é difícil entender por que esta abordagem de tratamento foi amplamente ignorada", questionaram. É só um exemplo de como o uso do LSD causa polêmica tanto na comunidade científica quanto nas estâncias de poder, que ainda querem manter a substância proibida até para pesquisas.
Apesar da proibição, o ácido voltou a ser usado com mais força nos últimos tempos, tanto fora quanto aqui. No II Levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil, realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), cerca de 0,25% da população brasileira (mais de 500 mil pessoas) afirmou já ter feito uso do LSD. Frequentadores de seitas como o Daime, em que o consumo da droga é permitido, não contam no estudo, feito em 2005.
O AreaH conversou com a doutora Maria Carolina Pinheiro, médica psiquiatra, assistente da unidade de álcool e drogas da Santa Casa de São Paulo. Ela esclareceu pontos importantes sobre os efeitos do LSD, falou sobre vício e as consequências para quem usa.
Segundo Maria, o LSD de hoje não tem diferença para o usado no passado. A única diferença é a maneira de ingestão da droga. “O LSD é produzido primeiramente na forma cristalina, podendo ser moído e transformado em pó. Comumente é dissolvido e diluído em água. A composição final do é um líquido incolor e inodoro. Hoje em dia, o usuário introduz um pequeno pedaço de papel impregnado de LSD embaixo da língua. Também pode ser usados por meio de conta-gotas, bebidas, selos, ou até colocado dentro de algum doce”, conta.
Os primeiros efeitos físicos aparecem cerca de uma hora depois da ingestão. As pupilas ficam dilatadas, a temperatura do corpo aumenta, assim como os batimentos cardíacos e a pressão arterial. “O LSD produz fenômenos alucinatórios, modificação na percepção de tempo, modificação da sensação de espaço, modificação de sensações do próprio corpo e despersonalização (a pessoa não sabe mais quem ou o que é)”, diz a psiquiatra.
Não há comprovação de vício químico do LSD, mas os efeitos psicológicos são imprevisíveis e variáveis Dependem da personalidade, humor e até da expectativa do usuário. A longo prazo, podem ocorrer os famosos flashbacks. De repente, depois de semanas ou até meses do uso, os efeitos voltam e podem causar transtornos psicológicos fortes. Além disso, Maria alerta as pessoas que têm alguma predisposição a transtornos psicológicos, como bipolaridade e esquizofrenia, a tomarem bastante cuidado com o LSD.