Milhares de pessoas já assistiram e se espantaram com vídeos amadores que mostram as reações de indivíduos sob o efeito da sálvia postados na Internet. No entanto, a minoria delas entende realmente quais são os perigos e benefícios desta erva tão cultuada por antigos índios mexicanos. Mas uma coisa é certa: até agora ninguém morreu de overdose de sálvia.
Antes que você assalte a despensa de ervas da sua mãe, deixamos claro que a planta a qual nos referimos é a Salvia Divinorum, uma variação entre as mais de 900 espécies do gênero em todo mundo. As propriedades "divinas" atribuídas a ela são oriundas de uma substância chamada salvinorina, a qual é responsável pelas "trips". Já erva utilizada na culinária é a Salvia officinalis, que não possui o composto, portanto nem adianta testar, pois ela "não dá barato".
Chamada também de ska pastora, erva Maria ou erva dos deuses, a sálvia é da familia da hortelã e do orégano. Embora seu uso seja ilegal nos EUA, Espanha, Bélgica, Dinamarca, Austrália, Japão, Suécia, Finlândia e Itália, países como Brasil, Holanda, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Romênia, África do Sul e Ucrânia ainda liberam o consumo da planta.
EFEITOS
A principal diferença entre a Salvia divinorum e os outros tipos de sálvias é a presença de uma substância chamada salvinorina. Trata-se de um composto diterpénico – que contém apenas átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio – a salvinorina A (a 96%) e a B (a 4%). Enquanto a salvinorina B não produz qualquer efeito psicoactivo, a salvinoriana A é considerada a mais potente substância psicoactiva natural.
Ainda não se sabe exatamente o que faz da salvinorina A um elemento psicoativo, porém já existem dados sobre sua ação neurológica. O composto se encaixa perfeitamente nos receptores kappa opióides, o que significa que é a partir desta classe de proteínas que ele desencadeia sua ação no organismo.
Entre os efeitos, estão a perda da coordenação física, riso incontrolável, alterações visuais ou visões, experimentar realidades múltiplas, sensação de paz contemplativa, profundo entendimento, percepção sonhadora do mundo, ver ou tornar-se um túnel, perda do sentido de individualidade, sensação de voar ou flutuar e ver padrões em forma de tubo, de cobra, ou de minhoca.
O reconhecido farmacologista especialista em Sálvia Divinorum norte-americano Daniel Siebert chegou até a criar uma escala dos "níveis" de consciência alcançados através do uso da erva.
Nível 1 - Há a sensação de que "algo" está acontecendo, embora seja difícil dizer exatamente o que é. Relaxamento e aumento da apreciação sensorial pode ser notada. Este nível é bom para meditar e pode facilitar o prazer sexual.
Nível 2 - Cores e texturas chamam mais a atenção. A apreciação da música é ampliada. A profundidade do espaço pode ficar maior ou menor do que o habitual. Não ocorrem visões neste patamar, porém o raciocínio se torna menos lógico e mais brincalhão – dificuldades de memória de curto prazo já podem ser observadas.
Nível 3 - Neste estágio, ao fechar os olhos, o usuário enxerga imagens claras: padrões fractais e formas geométricas, objetos e desenhos. A imagem é muitas vezes bidimensional e a sensação se assemelha àquelas que experienciamos quando estamos "quase" dormindo. sono ocorrem.
Nível 4 - Ocorrem cenas tridimensionais, realistas e complexas. Algumas pessoas podem chegar a ouvir vozes, e com os olhos abertos há a sensação de se estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. Você pode se esquecer do ego e entrar completamente em uma cena de sonho. É neste nível que os índios chegavam para "contatar" entidades de outras terras ou épocas. As "histórias" são bastante coerentes, e fica difícil saber o que faz ou não parte da realidade. A sensação de "viver" a vida de outra pessoa pode acontecer.
Nível 5 - Na última fase, a pessoa experimenta a "perda" da individualidade, podendo esquecer seu próprio nome. Aqui já não há mais interação com a realidade, e o indivíduo geralmente fica em estado de repouso absoluto. Quando retorna da viagem, ele mal lembra o que passou, mas a sensação de conexão de um "todo" maior pode permanecer por até 48h.
COMO USAR
Embora popularmente a sálvia seja consumida a partir da combustão de seu extrato num cachimbo ou bong, há outros métodos para quem não suporta qualquer tipo de fumaça. Seguindo os mais tradicionais, os antigos índios mexicanos mazatecas espremiam o sumo das folhas e bebiam o líquido resultante misturado com água – o que não é tão eficaz, já que, além de demorar mais para surtir efeito, eles são mais amenos do que quando a absorção é feita pelo tecido bucal.
A outra opção consiste em mascar um maço de folhas ainda hidratadas da planta, as quais não trazem problemas quando a pessoa engole. Por outro lado, este método não é tão confortável, uma vez que as folhas são muito amargas e podem causar náuseas.
É altamente recomendável a presença de uma outra pessoa para supervisionar e garantir uma experiência segura, pois a desorientação provocada pode gerar certo pânico àqueles que nunca experimentaram os efeitos da sálvia. Objetos pontiagudos ou potencialmente perigosos também devem ser retirados do ambiente.
HISTÓRIA
A Sálvia Divinorum é originária da Serra Mazateca, no estado mexicano de Oaxaca. A planta é utilizada pelos mazatecas para facilitar as visões xamânicas, que são invocadas em busca de cura e aprendizado.
O primeiro pesquisador a se interessar pela história da erva foi o antropologista norte-americano Jean Basset Johnson. Nos anos 30, durante uma viagem estudantil com seus colegas, Johnson observou os índios mazatecas fazendo chá de Sálvia com o propósito de prever o futuro. Na época, a planta também já vinha sendo usada como um substituto dos cogumelos alucinógenos, quando estes não eram encontrados.
No entanto, a psicoatividade da sálvia foi comprovada somente na década de 50 por Robert Gordon Wasson, etnomicetologista e vice-presidente da J.P. Morgan falecido em 1986. O cara era tão fera em "cogumelos mágicos" que duas espécies deles levaram seu nome, o Psilocybe wassonii heim e o Psilocybe wassonorum guzman.
VENDA
Comprar Sálvia Divinorum não é nem um pouco difícil no Brasil. Diversos sites oferecem extratos da planta de diferentes concentrações, o que determina a qualidade e a intensidade das "viagens". Num deles, o cliente pode comprar um pacote básico de 1 g de extrato de sálvia 5X (concentração mínima) com mais 5 g de folhas desidratadas por menos de R$ 40.
Além disso, há também a opção Elixir Divino, que consiste num extrato líquido da erva embalado em frascos com conta-gotas. Ele facilita a administração via oral e promete uma experiência mais longa, cujo o site recomenda como "ideal para meditação e yoga, filósofos e artistas".
Por outro lado, é importante salientar que a venda da Divinorum somente é liberada se não envolver importação de extratos e folhas. O Brasil proíbe a importação de plantas e seus derivados sem a devida autorização especial desde 2005.
Quem simpatiza com psicodélicos ou gostaria apenas de experimentar é bom se apressar. Apesar da sálvia ser defendida por especialistas e pessoas que a usam para fins recreativos, o deputado George Hilton (PRB-MG) parece não ter gostado da trip. Em agosto de 2011 ele começou a propagar o Projeto Lei 897/11 que proíbe o uso e a comercialização da substância salvinorina e da espécie vegetal sálvia divinorum, bem como seu plantio.
Segundo Hilton, a planta deve ser banida porque causa "alucinações, perda da coordenação física, alterações visuais, riso incontrolável, confusão, distúrbios sensoriais, medo, terror, pânico, dor de cabeça, perda na capacidade de controlar músculos e dificuldade em manter o equilíbrio".