Não vou aqui dar uma de "cult". Laranja Mecânica (do original Clockwork Orange) chegou até mim através de uma prosaica busca no Google: os melhores livros de todos os tempos. Andava sem ideia do que ler e, como a obra do inglês Anthony Burguess aparecia em 9 de 10 listas, me decidi por ele (vou confessar também: o livro estava em promoção e, por isso, acabei descartando outro "clássico" que figurava nas mesmas listas para leitura naquele momento).
Eu sempre havia escutado sobre este que é considerado um dos ícones da literatura inglesa (e mundial), mas nunca dei muita bola - meu Deus, quanto tempo eu perdi!
O livro me fisgou logo de cara, quando li uma de suas "orelhas": Burguess o escreveu em 1962, em um momento de desesperança, quando os médicos lhe haviam dado não mais do que um ano de vida. Seu único objetivo, neste período, era produzir obras e mais obras no intuito de deixar algum sustento para a esposa após sua morte. Felizmente, os doutores se equivocaram e o inglês viveu mais 3 décadas para desfrutar da obra-prima que havia criado. (Porra!, o cara criou esta maravilha literária em um momento dos mais delicados, em que a inspiração poderia lhe faltar a qualquer instante! - mas talvez, por este mesmo motivo, tenha dado pinceladas tão pesadas e marcantes à história!).
Laranja Mecânica foi um sucesso tão estrondoso que, anos depois, invadiu o cinema pelas mãos do (mais que) premiado Stanley Kubrick. Em vídeo, a obra é um espetáculo também, não fica para trás. Assim que terminei o livro e após algum suor para conseguir uma versão de boa qualidade e no inglês original, descobri a possibilidade de alugá-lo na Play Store, para assistir no conforto do YouTube por honestos R$6,90: www.youtube.com/watch?v=1DbWu51y47E&t=1894s.
Mas, afinal, de que se trata a história?
Laranja Mecânica conta a vida e peripécias de seu narrador, Alex, um jovem de 15 anos, sociopata, que vive num centro urbano, em algum futuro próximo. Alex passa seus dias (ou melhor, as noites) se drogando (com uma espécie de "batida" à base de leite e drogas sintéticas) para, na sequência, fazer o que gosta: atos de ultraviolência, como ele mesmo chama. Estupros, agressões imotivadas, furtos. Tudo isto preenche o jovem em sua rotina de delinquência. Andando normalmente em grupos (Alex tem 3 amigos mais próximos), os arruaceiros se comunicam por um sem-fim de gírias (criando um dialeto, denominado nadsat) que, na versão original, o autor - propositadamente - nem chegou a criar um dicionário para entendermos a tradução destas slovos (ou, em bom português, palavras). Burguess queria mesmo que os leitores sentissem o mal-estar de fazer parte daquela gangue, tentando inclusive compreender (o que nem sempre era possível) o que eles queriam dizer em seu peculiar dialeto.
Tudo segue relativamente bem até que (sem grandes spoilers aqui) Alex vai preso, convive um par de anos numa prisão deletéria e, finalmente, passa por um tratamento (técnica Ludovico) que objetiva devolver à sociedade antigos ladrões e congêneres, mas agora sem maldades em suas mentes. O processo os transforma em verdadeiros carneirinhos.
Daqui pra frente, não vou contar mais para não estragar a graça do filme...
Fazendo um grande "rescaldo" do que li e assisti, decidi então separar 4 motivos para que todo homem conheça Laranja Mecânica:
1. Tem "Tiro, Porrada e Bomba"
Que cara não gosta de um pouco de ação no cinema e literatura? Alex e seus druguis (amigos) saem na porrada toda noite, seja com gangues rivais ou contra cidadãos indefesos. A obra deixa à flor da pele toda a violência que marca a vida social em centros urbanos há décadas.
2. Tem vilão "do bom"
Alex, o narrador onipresente e personagem central de Laranja Mecânica, é uma obra-prima dos vilões. Traduzindo em prêmios: o American Film Institute classificou Alex como o 12º vilão de cinema de todos os tempos, a revista cinematográfica Empire selecionou Alex como o 42º maior personagem de cinema de todos os tempos e a revista Wizard classificou Alex como o 36º vilão de todos os tempos.
[Aqui, um pequeno spoiler] - O cara foi um vilão tão bom que o último capítulo do livro foi removido de algumas versões (a primeira edição norte-americana, por exemplo), porque eles achavam que as pessoas iriam achar o final, onde Alex simplesmente deixa de ser mau, chato.
3. O conteúdo musical / trilha sonora é incrível
Se por um lado Alex é um verdadeiro animal, vivendo de forma intensa toda a brutalidade do mundo moderno, seu gosto musical é quase antagônico: fã incondicional de Beethoven ("Ludwig van" em suas palavras), Alex se deleita com música clássica e se mostra um bom conhecedor destas obras. No filme, composições de Beethoven embalam os sonhos e ações mais perversos do narrador, e clássicos como Singing In The Rain são a trilha sonora para mais um ato de espancamento e estupro (!)
4. Os temas são excepcionalmente atuais
(Muito) provavelmente, o oxigênio que alimenta até os dias de hoje Laranja Mecânica são suas temáticas seculares: sociopatia, violência urbana, futuro distópico (se você é fã de Black Mirror, da Netflix, tem grandes chances de gostar do livro e/ou filme), juventude "perdida", (tentativa de) controle do estado, presídios superlotados são assuntos que já incomodavam a sociedade em meados do século passado - mas que continuam insolúveis em pleno 2017, 55 anos após a publicação deste primor que é Laranja Mecânica.
Sobre Rodrigo Moreno
Um dos fundadores do AreaH, é pai da Sofia e da Bianca, são paulino que torce para o Uruguai. Workaholic e grisalho desde jovem.
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