Como um dedicado amante do futebol, estiquei o corpo no sofá esses dias para ver o jogo de despedida do Alex, craque eterno, ex-Palmeiras, Cruzeiro, Coritiba, Parma (Itália), Fenerbahçe (Turquia) e Seleção Brasileira, em jogo realizado no Allianz Parque, em São Paulo. A aposentadoria de um camisa 10 clássico por si só já tem o poder de deixar fãs, como eu, saudosistas – e olha que meu time foi deveras vítima desse paranaense nascido Alexsandro de Souza há 37 anos. Mas dessa vez, durante a partida que marcava o confronto entre os amigos do Alex x Palmeiras de 1999, me peguei admirando o Alex pelo bom exemplo de como se deve por um ponto final a uma carreira. Deu para ver na cara dele o quão seguro ele estava com essa decisão que assombra a maioria dos que um dia atingiram a excelência no esporte. Logo me veio um paralelo: Rogério Ceni, 42 anos. Como é evidente o quanto o goleiro do São Paulo sofre. E me refiro menos aos problemas do time do qual ele é ídolo – e que anda numa pindaíba – tem enfrentado e mais em sua dificuldade íntima em largar o osso.
Para esses caras que convivem com a visibilidade, parar é muito difícil. Eles não estão preocupados com o fato de não calçarem mais a chuteira no dia seguinte à aposentadoria. A invisibilidade é o que mais os faz temer. Voltar a ser anônimo é mais difícil do que o ato de parar em si. Aposentar-se para caras como Rogério Ceni, Ronaldo Fenômeno e Oscar Schmidt, só para citar três mitos do esporte, é morrer para uma identidade e ter de refazer a vida sob outro paradigma. É viver na pessoa física e não na jurídica. É ser um sujeito ordinário e não um atleta extraordinário. Fazer a transição de carreira é, portanto, como rasgar um RG, um ato de coragem. E quanto maior é o tempo em que você leva para fazê-la mais difícil fica o presente, porque cada vez menos você consegue atingir as glórias vividas no passado.
E o que começa a acontecer com o atleta, nesse momento? Ele passa a viver processos de bipolaridade. Veja o exemplo de Rogério Ceni. Numa quarta-feira, levou um gol por cobertura quase do meio-de-campo na derrota para o Palmeiras, um vexame. No domingo, surgiu de novo como o único goleiro do mundo a fazer mais de 100 gols, no caso, ao anotar de falta na vitória do São Paulo sobre o Linense. Esse sobe e desce todo em um intervalo de quatro dias! O fim de Rogério Ceni (digo, do mito do herói) é inevitável, mas o narcisismo dele, a busca por reconhecimento, os aplausos, ainda gritam em seus ouvidos.
É preciso enxergar os atletas como vítimas de um sistema que os levam à exaustão; os tratam como uma máquina de produzir, como vive me dizendo a professora Katia Rubio, psicóloga e professora da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP). Pelé parou no auge ou, como se diz nas arquibancadas, por cima. Movimentou-se dessa forma porque, como produto, passou a perder valor com o avanço de sua idade. Muito bem orientado para, então, preservar a marca ele tirou de campo a figura do melhor camisa 10 de todos os tempos e deu lugar ao embaixador mundial do futebol em forma de celebridade. A aposentadoria Magic Paula, em 2000, é um dos casos mais emblemáticos do ponto de vista de preparação para a transição de carreira. Um fato raro de ocorrer.
Campeã mundial em 1994, prata na Olimpíada de Atlanta, dois anos depois, Magic Paula foi para a terapia assim que percebeu uma queda em seu rendimento dentro de quadra. De lá, dois anos e meio depois, levantou-se do divã, foi para o clube que jogava – e com quem ainda tinha contrato – e abriu o jogo sem medo do dia seguinte ou de errar: “Deu para mim”. O que Magic Paula fazia ali? Preservava o ídolo que fora. O ídolo é um ser em extinção no nosso País, pauta uma sociedade por meio de seus valores. Precisamos tê-lo em vida para nos espelhar, lembrar com um sorriso largo de saudade. Rogério Ceni é ídolo da instituição São Paulo Futebol Clube, que o tem em alta estima principalmente porque ele serve de para-raio para ela. A hora que o goleiro sacar de verdade a sua importância para o esporte (na história do futebol, nenhum jogador que veste luvas fez com os pés o que ele faz) e não apenas para a instituição que defende irá certamente deixar o mito descansar no lugar onde ele já está colocado, sem ranhuras, exatamente como me mostrou Alex dia desses.
Sobre Rodrigo Cardoso
Rodrigo Cardoso é jornalista. Escuta mais que fala. Deu certo na arte de contar histórias de gente (de Mandela a Andressa Urach) apesar da memória seletiva.
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