Principal torneio de futebol interclubes latino-americano, a Copa Libertadores da América deste ano ficará marcada pelo que aconteceu com a bola parada. A imagem do torcedor do Boca Juniors furando o túnel que levava os jogadores do rival River Plate ao vestiário e espirrando spray de pimenta nos atletas do time adversário abriu mais ainda uma ferida que sangra o futebol em doses nefastas. Falo da violência praticada em jogos de futebol. A notícia que mais ganhou repercussão após o ocorrido, porém, fora a exclusão do torneio imposta pela Conmebol ao time onde jogaram Maradona, Riquelme e Tevez. Um erro.
Esse episódio, por outro lado, deveria servir para deixar claro de vez o quão despropositada, inocente e burra é a ideia da torcida única como medida para conter a violência no futebol. Não há fair play entre adeptos de torcidas organizadas. Os hooligans ingleses e os barra bravas argentinos estão aí para provar o fato, ok. No entanto, torcida única no estádio pune o torcedor que quer ir aos jogos para fazer festa. É inacreditável alguém achar inteligente defender isso como estratégia ante a violência nos estádios. É como querer reduzir a maioridade penal para conter a escalada da violência praticada pelos jovens.
Os dois cenários revelam um atestado de incompetência assinado pela segurança pública. Sim, porque a violência nos estádios é problema de segurança pública! Caso de polícia e de justiça! Preservados pelo anonimato no meio da multidão, os transgressores disfarçados com abadá de torcidas organizadas – na verdade também facções criminosas onde, além de assassinatos, patrocinam o tráfico de drogas – se inflam de coragem para manifestar a sua falta de civilidade. Aí o que fazem as autoridades incapazes de dar conta dessa modalidade de crime? Azedam o espetáculo com a idiotice da torcida única; promovem a punição coletiva ao impedir a presença dos que estariam ali para torcer, felizmente ainda a grande maioria. É uma “lógica” tão burra quanto sacrificar o gado para, assim, matar o carrapato.
É tão simples virar esse jogo. Basta fazer valer a máxima da justiça criminal, segundo a qual a punição que melhor produz resultado é a que alcança o indivíduo transgressor. Hoje de manhã, quando li que o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo estuda adotar a torcida única por aqui, preparei os pregos e a cruz. É bem capaz que eu tenha de passar pela penitência e, proibido de fazer festa no estádio, ficar pregado em casa em dia de clássico do meu time. Listo aqui alguns 5 fatos que devem ser considerados nessa guerra contra a violência no futebol.
#1 ESCALADA DA VIOLÊNCIA – Pesquisa feita pelo mestrado da Universidade Salgado de Oliveira (Universo), do Rio de Janeiro, mostra que o Brasil é campeão mundial de mortes de pessoas em conflito de torcidas de futebol. Eis a escalda de mortes por aqui:
2011 – 12
2012 – 23
2013 – 30
2014 – 18
2015 – 8 (até abril)
#2 MORTES NO ENTORNO DO ESTÁDIO – Aumentar o efetivo policial dentro das Arenas não resolve o problema da violência. Cerca de 80% das mortes listadas acima ocorrem fora do estádio.
#3 A LEGISLAÇÃO ESTÁ AÍ, BASTA CUMPRI-LA! – O problema da violência das torcidas é menos a ausência de leis e mais a generalizada tendência a não cumpri-las. Num mundo ideal, as autoridades envolvidas com o espetáculo esportivo investem na prevenção, a polícia reprime, identifica e prende os torcedores violentos e a Justiça os mantém na cadeia.
#4 MEDIDAS ALTERNATIVAS – Uma varredura nas redes sociais ajudaria identificar delinquentes infiltrados nas arquibancadas. A criação de um disque denúncia das torcidas organizadas, modelo adotado, por exemplo, nas favelas pacificadas do Rio de Janeiro e que resultou na diminuição da violência, pode ser eficiente.
#5 FALTA DE PREPARO DA POLÍCIA – A tropa policial, segundo o sociólogo Maurício Murad, que estuda o comportamento de torcidas organizadas há cerca de 20 anos, é autor de “A violência e as mortes do torcedor de futebol no Brasil”, possui um baixo nível de treinamento para lidar com crimes praticados por torcidas organizadas.
Sobre Rodrigo Cardoso
Rodrigo Cardoso é jornalista. Escuta mais que fala. Deu certo na arte de contar histórias de gente (de Mandela a Andressa Urach) apesar da memória seletiva.
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