Imagine a situação. Você solta rojão quando recebe a notícia de que a sua mulher carrega no ventre um filho seu. Desde então, a leva para as consultas regulares, registra o crescimento da barriga da amada mês a mês, a acompanha na escolha do enxoval do bebê... E começa a se imaginar no papel de pai. Sonhos e sonhos de mãos dadas com o(a) herdeiro(a) em passeios no parque, na troca de carinhos durante o café da manhã, na hora do dever de casa... Quando o fruto de seu amor vem ao mundo, a felicidade transborda de vez e você se transforma. Aprende a trocar fraldas, dá banho no bebê e o embala até os dois adormecerem. De madrugada, você faz questão de sair do edredom para checar a situação do mais novo integrante da casa que acabou de chorar. O tempo vai correndo e qual é a sua felicidade quando vê o filho engatinhar, rir? Chega a hora que você o ouve dizer: “Papai”. Nossa senhora! É você reinando no paraíso envolto de um amor paternal que só pode ter vindo de uma dádiva.
De repente, porém, você fica sabendo que o filho não é seu, que aquele bilhete premiado que você sacudia na frente de amigos, parentes e desconhecidos era falso. Está lá o teste de DNA que não desmente a informação. A situação é como uma bomba atômica capaz de aniquilar todos os países que o habita. Um revés cortante como esse não é tão incomum como muitos possas imaginar, como mostra Robin Baker, Ph.D. em evolução do comportamento humano. Em seu livro “Guerra de Esperma”, esse professor inglês aposentado da Universidade de Manchester é taxativo ao afirmar que 10% das pessoas do mundo todo não são filhas dos pais que as criam.
Entendo ser muito evoluído – muito mais que macho – o homem que, mesmo sendo informado pela esposa que aquela criança fora concebida em uma trepada fora do voto de fidelidade mútuo, não queira se afastar do fruto daquela pulada de cerca. Sim, porque em casos assim o “filho” é símbolo vivo da traição e do rival masculino que lhe passou a perna. É uma lembrança constante do fato indigesto. É ser corno manso assumido de papel passado com o carimbo daquele dedo indicador do cartório. E na maioria das vezes, quando o cara é informado que não é seu o sangue que corre nas veias do rebento, a primeira reação é pensar: “A filha da puta transou com outro”.
Ou seja, é na traição que o homem pensa, geralmente, primeiro e não na criança que ele passou a amar e a ter como filha. O fato de a coisa toda ter sido premeditada pela mulher agrava a situação para o homem, que, quando descobre as duas pontas que ganhou sobre a cabeça, tende a desenvolver atitudes para não se afeiçoar à criança. Por outro lado, vejo que há atenuantes que impedem que essa situação de afastamento se concretize. Se a mulher teve o pulso de ter a coragem de revelar a traição e, mais, atributos positivos como o fato de ser bem aceita socialmente, atraente, gentil, boa mãe, aquela reação masculina emocionalmente forte e intempestiva em um primeiro momento pode ser amansada com o tempo. Claro que características que dizem respeito à personalidade do cara, como ciumento, seguro, pragmático, emotivo, contam também nessa hora.
A real é que não são poucos os casos de homem que pensa melhor e não só fica com a mulher que lhe foi infiel, mas também assume as incumbências sociais e responsabilidades econômicas na criação do filho. Esses agem dessa forma porque os mecanismos de apego ao filho não são biológicos em grande parte, mas têm a ver com a convivência, o prazer no ato de cuidar, a felicidade de transmitir conhecimento, etc. Resumindo, a paternidade se dá muito mais pelo vínculo do que pelo DNA. Deixando o psicologismo de lado e se apossando da gíria do povão: pai é quem cria. Dessa forma, se sua mulher revelou que você não é pai da criança e o proíbe de ver a criança que você aprendeu a amar, você tem direito de estar com o filho mesmo sem ser o pai biológico dele. Procure esse direito na Justiça. Por outro lado, se você não consegue conviver com esse engano, há como entrar com uma ação negatória de paternidade e tirar seu nome da certidão da criança fruto de uma traição.
Não há uma regra de como lidar com um caso de tamanha magnitude emocional, mas apenas maneiras diferentes de encará-lo. O que entendo é que o casamento pode acabar e a consideração pela ex-esposa morrer para sempre, mas privar o pai – mesmo não biológico – da relação com o filho ou mesmo vê-lo optar pelo distanciamento é uma violência atroz contra a criança que se acostumou com o colo dele.
Sobre Rodrigo Cardoso
Rodrigo Cardoso é jornalista. Escuta mais que fala. Deu certo na arte de contar histórias de gente (de Mandela a Andressa Urach) apesar da memória seletiva.
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