Li o texto de Rodrigo Moreno e resolvi dar meus dois centavos sobre o mesmo assunto. Eu nasci em 1987 no Recife. Minha família morava no esquecido bairro do Ipsep. A gente não passava fome, mas também não tínhamos grana suficiente para comprar um carro. O meu pai trabalhava de motorista, então às vezes nos levava pra passear com o carro da firma. Isso quando não usava o velho fusquinha do meu avô - até hoje esse fusquinha roda muito bem, diga-se de passagem.
No cotidiano eu usava ônibus pra ir pra todo canto. E de vez em quando o metrô. Ah, o metrô. Eu sempre gostei dele, da velocidade, do barulho que ele faz. Cresci com isso. Ia de ônibus para escola - isso quando eu não morava perto suficiente para ir a pé. Ia de ônibus ao mercado. Passeava, visitava meus poucos amigos, tudo sempre a pé, de ônibus, metrô ou bicicleta. Minhas pernas não caíram por isso.
Sorte que Recife tem uma área territorial não tão grande em relação a outras metrópoles, então na maioria dos casos é possível ir de qualquer lugar a qualquer lugar com apenas um ônibus. E, se for preciso pegar mais de um, há uma ampla rede de integração entre eles, o metrô e o VLT, sendo que entre um e outro a pessoa só paga uma tarifa. Não é o melhor transporte do país, nem o mais rápido, nem o mais confortável, mas esse lance da integração ajuda bastante.
Cresci, arranjei emprego em uma área industrial distante da cidade. Não era um local de fácil acesso, então a firma tinha um ônibus executivo. Eu adorava cochilar nele. Eu pensava que coisa boa era ficar confortavelmente sentado sem me preocupar com o trânsito ou com o desconforto. Ficava penalizado com as pessoas espremidas nos ônibus urbanos, lembrando do tempo de escola e faculdade quando eu também ficava. Nessa época me mudei para a Várzea, na zona oeste, próximo da UFPE. Retomei a faculdade e passei a ir direto da firma, mas chegava cedo demais.
Eu cheguei a casar. E comprei para minha esposa na época um carro que pertencia à mãe dela. O preço foi até bom e o carro estava em excelente estado. Mas eu nunca aprendi a dirigi-lo. Por conta da rotina que já descrevi, considerava que um carro não tinha grande utilidade para mim. Posteriormente eu me divorciei. Deixei o maldito carro pra ela. Não ia me servir de nada mesmo. Mas deixemos isso de lado.
Quando conheci minha atual esposa, me mudei para o Espinheiro, na zona norte do Recife. Eu então passei a ir pra casa, tomar um banho rápido e encarar os 9 km de casa até a faculdade pedalando. Bem na hora do engarrafamento, eu considerava que seria uma ótima ideia. E de fato eu percorria os 9km de bicicleta bem mais rápido que de ônibus ou mesmo de carro. Minha esposa inclusive me deu uma bicicleta nova no dia dos namorados em 2015. Além dessa, eu usava as laranjinhas de aluguel do Bike PE sempre que podia.
Passei 10 anos nesse emprego e depois vim transferido para o Rio de Janeiro. O horário é flexível e a vestimenta formal não é uma exigência tão rigorosa. Então, não precisaria eu vir ao trabalho de carro. Escolhi morar na Pavuna por ser próxima ao metrô. Tudo bem que metrô no Rio não tem integração tarifária, é mais caro e mais lotado mas ainda assim optei por ele, considerando o tempo de viagem, a relativa segurança e o inevitável engarrafamento. Ir em pé é algo que eu sempre dou como certeza, mas ao menos tento ir não tão espremido. E mesmo com o desconforto considero que é bem melhor do que ficar preso no engarrafamento em um ônibus ou mesmo em um carro, virando alvo fácil para os meliantes. Perto do trabalho, no centro, também faço pequenos deslocamentos com o Bike Rio - ou o VLT quando não estou com pressa e quero espairecer ouvindo o barulhinho do motor elétrico dele.
O carro que temos é um Chevrolet Onix. É da minha esposa. Ela usa pra trabalhar, pra fazer compras, pra levar os pais ao médico, pra sairmos com a nossa filha. É uma parte importante do cotidiano dela no Recife e provavelmente será no Rio de Janeiro também. Não me entenda mal: eu não tenho nada contra carros. Inclusive gosto muito de Fórmula 1. Apenas considero que não me fazem falta. Para a minha rotina, meus deslocamentos de trabalho, compras e lazer, traria mais problemas do que vantagens. Eu não carrego grandes volumes, não entendo de mecânica, não tenho a obrigação de andar impecavelmente vestido e perfumado, por isso creio que um carro é bastante útil mas não é vital para mim. Além da óbvia economia de dinheiro, eu não tenho o estresse de dirigir nessas vias esburacadas e engarrafadas. Mas isso sou eu, a minha pessoa. Você não precisa dizer que eu estou errado ou certo. Só estou mostrando que viver sem carro é possível e funciona para mim, ao menos de certo modo.
(*) Raphael Carvalho é empregado da Transpetro, pai de Gabriel e Maria Clara, torcedor do Náutico, metaleiro e gamer. Também adora macarrão.
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