Os chatos sempre existiram, a diferença – para o desespero do meu saco, que está a cada dia mais cheio - é que hoje eles têm acesso fácil à internet e, consequentemente, às redes sociais e a outras ferramentas que permitem o compartilhamento de chatices homéricas.
Se na década passada os chatos estavam limitados a pentelhar vizinhos que curtem rock, garçons que confundem pedidos e pessoas geograficamente próximas a eles, agora, graças ao surgimento de tecnologias que nos dão a sensação de que o Japão fica logo ali – depois da padoca e antes de pracinha -, os chatos conseguem azucrinar em escala global; e pior: eles têm meios para incomodar vários seres ao mesmo tempo, seguindo a tendência multitask.
Nunca assisti a um Globo Repórter que falasse exclusivamente do Homo chatus de galochas. Nem sei ao certo do que se alimentam ou como se reproduzem. Mas, de uma coisa eu tenho certeza absoluta: eles acordam e, antes mesmo de escovarem os dentes, perguntam-se: “Quem eu vou encher hoje?” Ou: “Qual modalidade de chatice usarei para aumentar o nível de ‘insuportabilidade’ da vida de alguém?”.
Há tempos que venho me segurando para não escrever um texto inteiro sobre gente enfadonha, mas eventos que ocorreram recentemente foram cruciais para que eu decidisse, finalmente, falar sobre os chatos e, principalmente, a respeito da mania bizarra que eles têm mania de contrariar tudo, até mesmo aquilo que surge em prol de causas boas. Explico: na semana retrasada, para demonstrar apoio à legalização do casamento gay em todos os estados norte-americanos, milhões de pessoas – não apenas dos EUA – coloriram a foto de perfil do Facebook, fato que já foi mais do que suficiente para que os chatos começassem a distribuir, sem bom senso e moderação,“pentalhagens” virtuais. Alguns deles disseram: “O casamento gay foi liberado no Brasil há quatro anos e, só agora que os EUA aprovaram, vocês estão se manifestando! Vocês não passam de pessoas que morrem de inveja dos gringos!” Outros mandaram: “Quando é pra falar da fome no mundo, ninguém altera o perfil!” E, ainda, vi gente (gente?) afirmando coisas como:“Vocês só fazem isso porque está na moda!” Aposto que você viu algo do tipo, não viu? Ou você é do tipo que, apenas para contrariar e polemizar, meteu o pau em quem coloriu o avatar? É?
Então, meu caro, larga a mão de ser chato e de procurar pelo em ovo! Ah, não é pelo em ovo? Então você acha mesmo que faz sentido utilizar a fome no mundo como gancho para criticar o apoio a uma causa que merece apoio? Não, não faz, respondo. E, sinceramente, acho que você poderia usar o seu tempo de maneira mais produtiva. Como? Simples: ao invés de reclamar dos avatares pintados, que tal alimentar alguém, qualquer um. Ou você não está verdadeiramente preocupado com as pessoas que nada têm para comer? Ou você utilizou os famintos – e sua falsa preocupação com eles – apenas para minimizar a causa dos gays? Outra coisa: se pintaram o perfil por “modinha” – como você disse - ou por real engajamento, pouco importa. O que importa, de fato, é que problemas que antes nem sequer eram mencionados estão ganhando espaço na grande mídia, o primeiro passo para que sejam discutidos e, um dia, solucionados. Sacou?
E antes que você resolva distorcer o meu discurso e usá-lo contra mim, afirmo: não estou dizendo que a fome no mundo pouco importa ou declarando algo como: “O casamento gay é mais importante do que crianças subnutridas!” Mas, se parar para pensar, verá que ambas são causas verdadeiras e que merecem respeito, mesmo que uma lhe toque mais do que outra. Entende? E achar que só há lugar para uma bandeira boa é uma grandessíssima ilusão. Há espaço suficiente para todo cartaz que visa informar e melhorar as condições de gente que tem fome de algo, seja de respeito, seja de comida. Ou, até, de tudo isso junto e misturado, direto na veia, para chegar mais rápido ao estômago e/ou coração.
Outro dia, abaixo de um post que fiz para incentivar a adoção de gatinhos abandonados, notei o seguinte comentário raivoso: “Por que você não incentiva a adoção de crianças abandonadas?” Foi, nitidamente, como se eu tivesse dito: “Adote um gatinho, não adote crianças!”, o que não é verdade. Percebe a chatice? Percebe a distorção?
E sabe o que me enche mais o saco? Raros são os chatos que realmente fazem algo além de reclamar; o que me leva a crer que eles não têm a mínima moral para dizer “Você faz pouco!” a qualquer ser que tenha feito qualquer arco-íris de canetinha a mais do que eles. Sabe outra coisa que me irrita? Eles reclamam de coisas que não interferem na vida deles. Ou alguém ousará me dizer abrir o Facebook e dar de cara com cores pode elevar as chances de epilepsia? Claro que não! Enfim...
Bom era o tempo em que os malas só discordavam da cor do céu e das medidas sugeridas na reunião de condomínio. Época na qual chatice era afirmar que os Rolling Stones mandam muito melhor do que os Beatles. Penso nisso e sinto medo de um dia descobrir que os chatos, assim como o Aedes aegypti e os Gremlins, só precisem de um pouquinho de água para se multiplicarem. Se bem que os Gremlins, diferente dos chatos, são fofos.
Sobre Ricardo Coiro
Vive entre o soco e o sopro. Morre de medo do morno e odeia caminhar em cima do muro. Acha que sensibilidade é coisa de macho e que estupidez é atitude de frouxo. Nunca recusou um temaki ou um café.
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