Grana e relacionamentos Por que o dinheiro atrapalha relacionamentos e até arruína casamentos? Saiba maneiras de lidar com a questão da grana gplus
   

Grana e relacionamentos

Por que o dinheiro atrapalha relacionamentos e até arruína casamentos? Saiba maneiras de lidar com a questão da grana

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“Quando você mistura amor com dinheiro, é uma confusão muito grande. Amor é algo que a gente dá de maneira livre, sem contabilizar como mercadoria. Quando se entra no assunto do dinheiro, parece que essa não é uma essência da relação amorosa. É um ranço que vem do passado até hoje. Afinal, vivemos em uma era em que o dinheiro faz tanto parte do relacionamento conjugal quanto o sexo, quanto a profissão, quanto tudo.”

A frase é da psicóloga e terapeuta Cleide Bartholi Guimarães, autora do livro Até que o dinheiro nos separe – A questão financeira nos relacionamentos (Editora Saraiva), lançado em 2010. O livro é resultado da tese de mestrado em psicologia clínica que Cleide realizou pela PUC-SP em 2007.

Cleide ouviu como jovens casais de classe média (com idade até os 30 anos) lidam com a questão do dinheiro. Segundo a autora, apesar de ter se restringido em certa faixa etária, a tese revela o pensamento geral da população do Brasil em relação à grana e relacionamento amoroso.

O tema, em geral, é um tabu na sociedade, como a terapeuta deixa claro nas primeiras linhas da reportagem do AreaH. Parece feio conversar sobre dinheiro com o parceiro. O ruído na comunicação é o principal problema e pode levar até a rompimentos. “Principalmente quando a relação começa, na fase de namoro, porque talvez as pessoas tenham um pouco de vergonha e é um tabu ainda de se conversar a questão do dinheiro. Ninguém pergunta ‘quanto você ganha?’, as pessoas não fazem essa pergunta, então há um ruído na comunicação com relação ao tema”, diz Cleide.

O primeiro passo, portanto, é abordar o tema, falar sobre grana com o outro. Como bem disse a psicóloga, vivemos em uma era em que o dinheiro tem tanto peso na relação quanto o sexo, por exemplo. Segundo Cleide, há uma tendência nos casais mais jovens em conversar sobre o assunto de maneira mais leve, aberta, mas ela lembra que a mudança leva tempo para ser difundida.

“O processo de mudanças sociais, culturais, não acontece rápido. Eles são lentos, às vezes demoram 10, 20 anos. A questão de dinheiro, hoje em dia, eu percebo muito, muito interesse de jornal, de mídia em geral, etc., mas é coisa recente. É um processo de mudança em que as identidades masculinas e femininas estão passando por transformações. Nós vivemos em um período em que o velho e o novo estão presentes. Modelos antigos e modelos novos.”, ressalta Cleide.

Na sociedade brasileira, machista por tradição, existe uma barreira e até um preconceito em olhar a mulher como provedora, a chefe familiar que sustenta a casa. Para a autora, esse é um dos principais obstáculos para que a questão do dinheiro seja encarada de maneira mais natural.

“É um processo e nesse processo a gente pode encontrar tanto homens com dificuldades de aceitar a mulher mais independente e que se sentem perdidos, assim como se encontram homens com maior facilidade de se encaixar com esse tipo de mulher. Não tem regra. Posso dizer que, em geral, é mais difícil essa aceitação. Porque são heranças culturais, são processos de mudanças que levam tempo”, afirma. “Abrir mão desse papel de homem provedor, que detém um poder na relação, é um processo longo, de altos e baixos”.

Na realização da tese, Cleide percebeu que as próprias mulheres ainda não se sentem à vontade no papel principal, de provedora da casa. Há uma sensação de prazer por ocupar a posição, mas também um certo ressentimento, segundo ela.

“A sensação delas é ambígua. Enquanto para o homem é uma sensação comum e poderosa, para as mulheres é uma novidade. E ela, às vezes, se sente bastante dividida com isso. Não é incomum você encontrar mulheres que ganham mais do que o marido e dão dinheiro para que eles façam as compras, os pagamentos, até para dar um senso de autonomia, um falso poder ao homem, vamos dizer. Até para ela é difícil colocá-lo em um lugar secundário, principalmente quando ele perde o emprego”.

Falta de comunicação, de conversa, além de um olhar machista e conservador sobre a mulher independente e provedora dos dias de hoje geram uma situação delicada dentro do casal, que pode levar até ao rompimento. No entanto, para Cleide, normalmente, o dinheiro é só parte do quadro geral de questões de um casal.

“O que eu percebo na clínica, quando chegam casais a ponto de se divorciar e o tema dinheiro entra, é que a grana é só é ponta do iceberg, que faz parte de uma trama conjugal cheia de questões mal resolvidas, de situações íntimas que não se fala ou se fala demais. E o dinheiro, às vezes, acaba sendo o primeiro tema e motivo para a busca de uma terapia. Depois, se entra com mais profundidade em outros temas. O dinheiro vem como um sinalizador. Eu não acho que casamento termina só por isso, não. O dinheiro tem força, mas outras coisas também. Se fosse assim, casal milionário iria se separar?”, questiona.

Problemas e caminhos

Conversar sobre dinheiro é o primeiro passo e pré-requisito para que a questão não se torne um grande tabu no relacionamento. Mas, falar sobre o tema traz à tona as diferenças de pontos de vista e, consequentemente, problemas e impasses dentro do casal. Por exemplo: ter uma conta conjunta é positivo ou negativo?

“Quando o casal tem as contas que se conversam, às vezes uma conta conjunta, cada um sabe o quanto tem um, o quanto tem o outro, uma situação mais coletiva, e a propriedade do dinheiro é sentida como coletiva, acho que o casal tem um bom potencial para se entender. Afinal, se os dois gastarem demais, vai prejudicar o bom funcionamento financeiro do casal. Organizar é uma coisa. Vigiar, controlar e perseguir é outra. Se há uma postura colaborativa, é muito bacana”, opina Cleide Bartholi Guimarães.

Ela lembra que o formato de conta conjunta funciona para a maioria dos casais, mas existem parceiros que organizam o dinheiro de forma diferente e com resultados positivos. “Tem vários modelos, ao gosto do freguês. Eu, particularmente, acho que nem tanto o mar, nem tanto a terra. Ter a individualidade em termos financeiros é importante e ter uma parte coletiva e comunitária também é. Eu quase sempre sugiro que se tenha uma conta conjunta, onde ambos depositam os seus insumos e guardem uma parte para cada um”, conclui.

Para o bom funcionamento da conta corrente, porém, é preciso ter uma proporcionalidade em relação asalário de cada um. “Na hora de criar uma conta que pague todas as despesas domésticas, é importante observar questões de igualdade e de equidade. Eu sugiro a equidade, uma proporcionalidade no depósito desse valor. O que ganha mais, deposita um pouco mais, deixando uma oportunidade para que o que ganha menos tenha uma parte individual igual”, sugere a terapeuta.

O modelo de conta conjunta + conta individual espelha o atual padrão de casamento na sociedade brasileira. Hoje, é mais comum encontrar matrimônios com o regime de comunhão parcial de bens, ou seja, cada um dos cônjuges mantém as propriedades que já tinha antes da união. Só serão propriedades do casal os bens adquiridos após o casamento.

“Está vendo como são os processos sociais? Socialmente, o que a gente vê é que o acerto de comunhão total de bens não cabia mais. Essa história de que eu chego com um, você chega com um milhão e depois tudo é nosso, teve muita gente que não topou mais. E isso é uma postura justa”, opina Cleide.

Para ela, o formato da comunhão parcial de bens é o ideal. “Agora, nada é pra sempre! As coisas são enquanto são. Se não tiver encaixando mais, tem de se rever. Nada impede que ao longo de uma relação, se o casal achar que é melhor partir para uma divisão de bens já em vida ou, pelo contrário, unir tudo, porque não está sendo legal, se faz. Você pode rever o seu contrato, as cláusulas do contrato”.

Dicas

Para terminar, Cleide Bartholi Guimarães dá dicas para que o dinheiro não vire tabu ou até arruíne relacionamentos. A psicóloga diz que seu livro e sua postura são reflexivos. O conteúdo da tese tem de fazer sentido para as pessoas, para que possa ajudar nos relacionamentos.

- O casal precisa conversar sobre dinheiro. E se perguntar o que cada um valoriza na vida em relação ao dinheiro. Se perguntar como cada um gasta, do jeito que gasta, no que gasta. Isso já começa a ser feito no namoro! Se perguntar se está boa a maneira como o casal administra o dinheiro. Se um fica com tudo, outro com nada, se há a necessidade de conta conjunta. Às vezes, a coisa vai no automático e ninguém faz perguntas:
Estamos indo bem assim?
Está bom pra você?
Será que eu sinto falta de individualidade?
Como os dois decidem no que deve ir e pra onde vai o dinheiro?
Como a pessoa se sente financeiramente em relação ao outro?
Repartir o dinheiro igualmente está bom?
O importante é questionar!

- O regime de bens: O que nós escolhemos está bom ou queremos mudar? Como cada um percebe o comportamento com relação ao dinheiro é o mais importante, eu acho. O que eles viram dos pais de cada um tratando do assunto de amor e dinheiro. Se a família era perdulária, se era contida, de onde vem a pessoa com quem eu convivo.

- Poder: Eu percebo o uso do poder financeiro do meu parceiro ou o meu? Normalmente, os grandes poderosos nem fazem essa pergunta, porque nem percebem. Um perguntar ao outro se o assunto dinheiro vai continuar sendo aberto.

- Modelos de família: às vezes, você seguiu e copiou um modelo com o qual não concorda e pode fazer um novo. Questionar sempre se está se encaixando. Quando o casal conversa sobre dinheiro? Na cama, no jantar? Tentar encontrar o lugar do dinheiro na relação. Qual seria o melhor lugar para ele entrar? Conversar na frente dos filhos é bom, mas não pode virar briga.
O que se aprende com amor e dinheiro influencia quando você for parte de um casal.

Dica final: o mais importante é verificar como cada um concilia as diferenças com relação ao dinheiro. A exemplo do sexo, dos filhos e outros assuntos, o dinheiro tem de fazer parte do cardápio de reflexão e conversa de um casal!