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Socorro, eu não estou sentindo nada!

Não aceite continuar portando um coração que não bate nem apanha

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Por Ricardo Coiro

Você conhece o poema "Socorro", escrito pela Alice Ruiz? Não? Jura?Aí vai ele:

Socorro, eu não estou sentindo nada.
Nem medo, nem calor, nem fogo,
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir.
Socorro, alguma alma, mesmo que penada,
Me empreste suas penas.
Já não sinto amor nem dor,
Já não sinto nada.
Socorro, alguém me dê um coração,
Que esse já não bate nem apanha.
Por favor, uma emoção pequena,
Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos,
Deve ter algum que sirva.
Socorro, alguma rua que me dê sentido,
Em qualquer cruzamento,
Acostamento, encruzilhada,
Socorro, eu já não sinto nada.

Genial, não achou? Eu acho foda ao quadrado vezes um bilhão e meio. E sabe por que eu acho tudo isso? Pois, em minha humilde opinião, a mais horrível de todas as mortes é aquela que dá cabo à nossa maravilhosa capacidade de sentir; e é exatamente a respeito dessa tragédia que o poema - de maneira simples, clara e belíssima - fala.

Não está entendendo a razão pela qual eu resolvi escrever sobre isso? Eu explico: porque em 2015, ao invés de priorizar a realização das velhas - e repetidas! - metas (parar de fumar, perder dez quilos, trocar o seu 1.0 por um 1.6, mudar de emprego, aprender a falar inglês...), eu sugiro que você foque as suas energias, principalmente, na preservação dos seus sentimentos. É sério! Não permita que eles entrem em extinção.

Acha que isso não é necessário? Cuidado! Sem que você ao menos perceba, irmão, seu coração pode estar congelando, embrutecendo, tornando-se insensível a ponto de fazer com que você não ache nada tocante, digno de sorrisos longos ou de arrepios que eriçam até os pelos da alma.

E sabe por que isso acontece? Pois comumente sucumbimos diante da extrema dureza que é a nossa incontrolável e imprevisível existência, e, com medo de sentirmos fortes murros que vêm de dentro do peito e aquela potente vontade de não sairmos da cama, como um mecanismo de defesa, desativamos a nossa mágica capacidade de sentir. Endurecemos como os médicos que, de tanto que já viram a morte de perto - à queima roupa -, hoje conseguem contar piadas após decretarem óbitos ou a descoberta de um câncer terminal.

Para não sentirmos vontade de vomitar a cada vez que abrimos o jornal e percebemos que o papel está completamente encharcado de sangue inocente, meu caro, criamos um bloqueio que, infelizmente, também nos impede de sentir as coisas boas. E é aí que mora o problema: ao tentarmos nos manter totalmente imunes aos sentimentos agonizantes, acabamos, sem querer, também indiferentes diante da poesia viva que está espalhada pela Terra.E isso é, no mínimo, o maior dos desperdícios. Afinal, se a gargalhada frenética de um bebê com cabeça de tangerina não nos causa bem-estar e vontade de continuar com a careta no rosto, qual a beleza da vida? Hein? Se a visível emoção da sua namorada não lhe causar carnavais interiores, qual a graça de termos saído do aconchego do útero? Se ajudar alguém a fugir do desespero não criar uma fina película de água em nossos olhos, algo só pode estar errado, faltando.

Quer uma sugestão? Por mais arriscado que isso seja, meu véio, não deixe - por trauma algum - a sua sensibilidade de lado, enterrada sob o tapete da sala na qual você se esconde todos os domingos. Aceite os inevitáveis riscos inerentes à sua capacidade de sentir e, mesmo sabendo que muitas vezes você sentirá as suas tripas revirando dentro de você, lembre-se do quão impagável é ter a ciência de que a lua cheia não é apenas um ponto branco em meio ao céu, e sim uma inquestionável fonte de sentimentos mais benéficos do que ômega 3.

Se nada mais é sentido, qual o sentido? Pense nisso e, pra ontem, não permita que a pressa do dia a dia lhe impeça de dedicar alguns minutos somente para admirar o raio de sol que todas as manhãs pousa sobre a pele da coxa do seu amor. E se essa cena não lhe causa nada, nem ao menos um sorriso tímido, sinto muito, você está morte e nem sequer sabe.

Em 2015, por favor, desfibrile-se. E não aceite continuar portando um coração que não bate nem apanha.

Obs: o poema citado no início do texto foi musicado pelo Arnaldo Antunes e vale o play


Ricardo Coiro