Por muito tempo, devido à baixa inserção de mulheres no mercado de trabalho formal, os serviços domésticos eram automaticamente destinados às figuras femininas nos relacionamentos. Era quase inimaginável - e ainda é - para boa parte da sociedade assimilar a ideia de que o homem deve dividir com a parceira os afazeres de casa.
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Mais incomum ainda, para muitas pessoas, é a ideia de um homem, bem sucedido no que faz, deixar de lado a carreira corporativa para cuidar da filha e acompanhar a esposa em sua trajetória profissional.
Foi essa a decisão que Claudio Henrique dos Santos tomou em 2010, quando abandonou um negócio próprio no ramo de vinhos e viajou a Cingapura para dar suporte à mulher, que recebeu um convite para trabalhar no país asiático.
"Como homem, bem machão que eu era, não topei muito a ideia, mas só fui porque não tive coragem de dizer 'não' para ela [esposa]; tinha batalhado a vida inteira para ter uma carreira internacional e achei que não seria justo de minha parte negar isso", diz o ex-executivo.
UM EXECUTIVO BEM SUCEDIDO
Claudio Henrique é jornalista de formação. Atuou, na maior parte da carreira profissional, nas áreas de Comunicação Corporativa, com foco principalmente na indústria automobilística. Em 1994, era assessor de imprensa da Volkswagen, entre 1997 e 2000 trabalhou como assessor de imprensa na Chrysler, e, em 2000, tornou-se gerente de imprensa da Renault do Brasil.
Quando resolveu apostar em um novo segmento, em 2009, aventurou-se no mercado de vinhos como vendedor. Mas a oportunidade de trabalho que a esposa recebeu o fez mudar de planos. "Essa mudança de vida, na verdade, foi uma grande quebra de paradigma para mim. Eu tinha a ideia de que o homem deveria ser o provedor da casa a todo custo e, de repente, me vi na situação de depender financeiramente da minha esposa", afirma o ex-executivo.
Sem o visto de trabalho em Cingapura e a necessidade de cuidar da filha, ainda pequena, o jornalista teve de adotar uma rotina para a qual ele não havia sido preparado. "Serviço doméstico e cuidar da minha filha eram coisas que eu não fazia antes, achava que aquilo não era para mim. Achava que aquilo não era coisa para homem; de fato, foi uma mudança grande", conta.
OLHAR DE TERCEIROS
A insegurança em meio ao novo estilo de vida como "dono de casa" que estava começando não veio apenas de Claudio. A esposa, desacostumada com o protagonismo do pai nos cuidados com a filha, também demorou certo tempo até assimilar a ideia de um Claudio Henrique mais participativo, um verdadeiro "protetor do lar".
A desconfiança refletiu também em alguns amigos próximos, que duvidaram do êxito do jornalista nas novas tarefas. "Um dos meus amigos me contou que eles achavam que eu era tão machão que não iria aguentar muito tempo como 'dono de casa'. Fizeram uma aposta, e o que 'falou mais tempo' disse que eu aguentaria, no máximo, um ano e dois meses", diz o ex-executivo.
Cumprir as tarefas cotidianas do lar, no entanto, foram grandes desafios para Claudio. Já que não tinha o costume de cozinhar, preparar a comida para a família foi um dos maiores desafios. Mas como não desejava que a filha se alimentasse de sanduíches, apenas, foi algo que teve de aprender. Apesar disso, de acordo com ele, não tornou-se nenhum especialista na cozinha.
CAPÍTULOS ESCRITOS
"Eu tive o privilégio de ficar ao lado da minha filha durante mil e cinco dias ininterruptos. Tenho certeza de que se eu não tivesse vivido essa situação, eu não seria tão próximo dela hoje como eu sou", diz Claudio, com orgulho. A nova vida, em que pôde acompanhar o crescimento de sua pequena, rendeu um livro. Lançado em 2013, Macho do Século XXI - O executivo que virou dono de casa. E acabou gostando" é um relato autobiográfico sobre uma diferente maneira de viver a vida e quebrar paradigmas quando o assunto é igualdade.
"Outras pessoas me convenceram que eu tinha uma história muito bacana de equidade de gênero para contar. Escrevi esse livro para minha filha, porque hoje meu grande propósito é entregar no futuro um mundo melhor, muito mais igual para essas meninas, que elas possam fazer o que bem entenderem, sem julgamento de ninguém", afirma o ex-executivo.
Claudio admite que era um homem machista e diz que a luta contra esse comportamento ainda não acabou internamente. De acordo com ele, é sempre preciso acabar com as diferenças entre os sexos e buscar a equidade entre homens e mulheres.
O jornalista e ex-executivo, que também é palestrante, ainda deixa um conselho para os homens que desejam ser mais participativos na vida doméstica e da família.
"Vá em frente, não se preocupe com o que os outros estão pensando de você. A gente, como homem, se sente julgado o tempo todo se estamos fazendo uma coisa mais 'feminina'; mas estamos fazendo nossa obrigação de pais. Se posicione, faça as coisas sem vergonha", finaliza.
Sobre Rudiney Freitas
Apaixonado por livros, esportes, cinema, música, a vida e seus passageiros. No mundo do jornalismo porque gosta de se comunicar, até por sinal de fumaça.
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