Ela checava os e-mails do trabalho no celular antes de dormir e o Facebook logo ao acordar. Digitava um “bom dia” aos amigos no grupo do WhatsApp enquanto passava o café no coador. Na frente da TV, com a caneca nas mãos, pegava o tablet e conferia a previsão do tempo e as notícias. Durante o trajeto para o trabalho, passava os dedos na tela do celular cada vez que o trânsito parava. E bastava se sentar em sua mesa diante do computador para iniciar uma ronda: Face, Twitter, Instagram, Linkedin, site de fofocas, de moda, notícias… Nem no restaurante por quilo ao lado da empresa dava folga para o celular, que repousava pertinho do prato.
Tinha sempre a sensação de estar perdendo alguma coisa.
E estava.
As pessoas ao nosso redor têm a certeza de estarem aproveitando o máximo a vida com a internet e a mobilidade, quando, na verdade, só a observam passar através da telinha fria e sem graça do celular.
Vejo muita gente deixando de curtir de verdade um show bacana "daquela banda" (comprou o ingresso com muita antecedência, convidou os amigos...) para, na hora da apresentação, sacar o celular e tirar dezenas de selfies ou filmar tudo o que se passa no palco. E ainda se irritar porque o sinal de internet no estádio ou na casa de shows não está bom.
Também vejo pais que, em vez de prestigiar a apresentação da filha na escola, e se emocionar, se tornam cameramen o tempo todo. Sem falar daqueles que checam os e-mails no celular dentro do cinema, do teatro...
Mas o pior é ver casais na mesa de jantar de um restaurante passando os dedos na tela do celular em vez de aproveitar o momento para colocar a conversa em dia, estreitar afinidades e se reconectar um ao outro.
Sou do tempo, e olha que nem me considero tão velho assim, em que as pessoas no ônibus se sentavam perto do cobrador e conversavam com ele e com outros passageiros durante o trajeto. Hoje os ônibus mais modernos possuem wi-fi gratuito e todo mundo só “conversa” pelo WhatsApp.
Peguei o metrô dias atrás e vi um vagão inteiro vidrado no celular, ouvindo música, talvez postando no Facebook. Um grande silêncio. Até recentemete as pessoas trocavam olhares entre uma estação e outra, engatavam conversas interessantes com o vizinho de banco e até paqueravam.
Falando nisso, ontem um rapaz com fones de ouvido coloridos e enormes atravessou a Avenida Paulista no meio da tarde sem tirar o olho do celular. Acho que ele cruzou com a mulher da sua vida, uma morena alta, cabelos negríssimos e longos, olhos verdes.
Mas nem percebeu.
Quem sabe não se encontrariam novamente num aplicativo de paquera pelo celular.
Sobre Marcelo Ventura
Sócio e editor do AreaH, é jornalista e tem mais de 20 anos de correria em grandes redações. Hoje prefere correr em ruas e parques. Gosta de ler e de vinhos, mas não dispensa uma série na TV ou uma cerveja.
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