Viver de humor no Brasil não é uma tarefa propriamente engraçada. Com o declínio que o teatro nacional vive atualmente, poucos personagens inteligentes e verdadeiramente engraçados sobreviveram às décadas de comédia barata e censura que vieram com a televisão.
Zé Bonitinho foi um deles, e até hoje o humorista Jorge Loredo desfila com postura blasé pelo tradicional palco do programa “A Praça É Nossa” do SBT. Há 52 anos, o ator vestiu sua peruca e seus óculos exageradamente grandes para estrear o personagem na antiga TV Rio, no programa “Noites Cariocas”.
“Após a adolescência, me inspirei num colega meu aqui no Rio de Janeiro [Jarbas], na praça Transpenha. Ele tinha aquele topete, o bigode fininho e cantarolava na frente do espelho. As garotas passavam e ele cantava tango, músicas em inglês (que ele nem sabia que era inglês) e eu ficava observando aquilo morrendo de rir”, relembra o ator. Ele conta que nas festinhas e bailes dos anos 50, todos lhe pediam para imitar o amigo, e ele imitava com gosto. “O Jarbas tinha mania de cantar até música francesa...era um bon vivant”. Com um vozeirão calmo e sério, Loredo desabafa que, mesmo sendo comediante, de fato há poucas coisas que o fazem rir.
A princípio, a postura questionadora do teatro chamava uma audiência maior em relação ao cinema – que era bem mais caro – nos anos 40, mas isso começou a mudar com a chegada da Tv. Um dia, o então estudante de Direito que trabalhava num banco abriu o jornal e conheceu o Teatro do Estudante de Pascoal Carlos Magno, onde comediantes como Agildo Ribeiro, Consuelo Leandro e Grande Otelo faziam parte de seu círculo social. O criador do Zé Bonitinho, personificação caricata do bon vivant, chegou a advogar por um tempo com seu irmão, também advogado. Loredo trabalhava na parte previdenciária do Sindicato dos Artistas do Rio de Janeiro, e é especialista em Direito Previdenciário e do Trabalho.
“A minha geração é de atores mais calmos e seguros, que encaravam a profissão de frente. Não pretendo depreciar aqui os atores atuais, mas parece que eles estão mais empolgados é com a fama”, comenta Loredo. O ator salienta que o humor brincava mais com o duplo sentido, e que não precisava “apelar com palavrões”. “Porém, a gente não pode criticar, porque tudo muda. Você sabe que o que é mentira hoje será verdade amanhã e vice-versa”, observa ele.
Seu interesse por teatro começou bem cedo por influência do pai, o comerciante Etelvino Loredo. Criado em Campo Grande, no subúrbio do Rio de Janeiro, Jorge ia uma vez por mês com sua família ao teatro Procópio Ferreira para assistir uma peça. “Meu pai gostava de teatro mas não era artista, apenas um comerciante comum. O valor do ingresso do teatro era mais popular que o do cinema. Comecei a gostar daquilo”, revela Loredo.
Hoje com 87 anos, o ator garante que nunca seguiu qualquer receita para manter a vitalidade por tantos anos. “Você tinha que perguntar isso ao dono do Universo”, brinca Loredo. O ator não bebe, entretanto parou de fumar há pouco tempo.
Sua saúde foi marcada por um diagnóstico de osteomielite na perna esquerda aos 12 anos, além de uma tuberculose e uma úlcera aos 20. Após a recuperação desta última enfermidade, Loredo dava os primeiros passos para se tornar o futuro “Perigote das Mulheres”, como se autointitula Zé Bonitinho. Depois de ser aprovado nos testes de admissão, seu primeiro trabalho no teatro foi a interpretação de um monólogo chamado Como Pedir Uma Moça Em Casamento.
“No dia do teste de classificação havia alguns caça-talentos. Um deles era da TV Rio, no tempo da TV à lenha, e me convidou para comparecer lá. Comecei a fazer sketchs em programas humorísticos e posteriormente fui para TV Tupi, onde o negócio começou a rolar sozinho”, revela o comediante.
Adorador de música francesa e norte-americana dos anos 30 e 40, Jorge Loredo vive na ponte aérea Rio-São Paulo por conta das gravações do programa do SBT. Além disso, o ator ainda tem pique para fazer alguns shows em certas localidades próximas à região sudeste, pois tem consciência: “já não tenho 15 anos”. Mesmo contracenando com várias gostosas, ele conta que nunca houve uma “quedinha”. “Sou totalmente profissional com as meninas com que trabalho”, garante o ator.
Dica do Zé Bonitinho
Para o Zé Bonitinho, a mulher é o “prato principal”, e sem ela o personagem não existiria. Ele garante que o segredo é ouvir as mulheres. “Os homens ouvem pouco e acham que o mundo é deles. Temos que primeiro concordar com elas para depois tirar conclusões.É dar linha para o peixe para dar o bote no final”, explica Loredo.
O ator acredita que a figura do “varão conquistador” não passa de ficção nos grandes centros hoje em dia. No entanto, ele afirma que os subúrbios e cidades pequenas ainda abrigam garanhões inveterados
Chico Anysio
Jorge Loredo conta que enquanto trabalhou com Chico Anysio em diversas participações e personagens, inclusive na Escolinha do Professor Raimundo, aprendeu que “o humor é coisa séria”. O próprio mestre da comédia, que passou mais de 40 anos na Rede Globo, demonstrava esta seriedade em suas entrevistas.
“Os humoristas são sérios porque são críticos de costumes, denunciadores preocupados. Há pessoas talentosas no humor, porém ele é muito agressivo e vulgarizado, em vez de ser levado a sério”, sugere Loredo. Muitos dos bordões declamados por Zé Bonitinho foram inventados por Chico Anysio, embora outros tenham sido criados por Loredo durante a representação.
Descoberto por Anysio, por quem esbanja admiração, o ator afirma também que outra pessoa foi responsável por sua atuação ter chamado tanta atenção: o humorista Manuel de Nóbrega. “Ele trouxe a Praça da Alegria para o Rio com todo o elenco. Um deles, o dublador, morava em São Paulo e não tinha condições de vir com frequência, naquela época não havia ponte-aérea, então o Nóbrega me chamou”, conta Loredo. Figura cativa na Tv brasileira, Zé Bonitinho continua no imaginário do povo, e atribui seu sucesso à aposta de Nóbrega em sua carreira.